terça-feira, 23 de janeiro de 2018

Brasil bebe mais que a média mundial, mas silencia sobre abuso do álcool

Meu avô paterno era alcoólatra. Não cheguei a conhecê-lo, morreu na década de 1960, aos 46 anos, por sequelas de um AVC (Acidente Vascular Cerebral). Dois tios igualmente dependentes do álcool também já morreram em consequência dos danos provocados pela bebida. Tenho amigos alcoólatras. Alguns sóbrios há bastante tempo; outros com muitas recaídas e ainda em busca da abstinência.

Na semana passada, pensei neles enquanto apurava matéria sobre a dependência de álcool entre os mais velhos. Segundo pesquisa Datafolha, quase um em cada dez idosos bebe diariamente. É muito, cinco vezes a média do país (2%).

A depender dos dados da OMS (Organização Mundial da Saúde), estamos nos tornando um país de beberrões. É óbvio que não ainda nos mesmos padrões dos países do Leste Europeu, que chegam a ter consumo anual per capita de 18 litros, mas já superamos a média mundial. Em 2016, o nosso consumo de álcool per capita atingiu 8,6 litros, contra a média internacional de 6,4 litros por pessoa.

O país figura agora na 49ª posição no ranking entre os 193 avaliados pela OMS em 2016. Na África, o consumo médio é de 6 litros por ano. Nas Américas, de 8,2 litros e na Europa, de 10,3 litros (média muito impulsionada pelos países do Leste Europeu).

Apesar do consumo exagerado, o Brasil pouco avança em políticas públicas eficazes voltadas à prevenção. Há vários exemplos de medidas efetivas aplicadas em outros países, como a exigência de licença específica para estabelecimentos que comercializam álcool ou um controle rigoroso da venda de bebida a menores de idade.

Por aqui, não há nem uma coisa e nem outra. Todo lugar com um alvará (padaria, posto de gasolina etc) pode comercializar bebidas. Isso sem contar os informais. A venda de álcool a menores já virou algo tão corriqueiro que as pessoas nem disfarçam mais. Quem tiver alguma dúvida é só passar perto dos botecos próximos aos colégios e faculdades de São Paulo.

Diversos estudos mostram que, quanto mais precoce o consumo de bebida alcoólica, maior é o risco de a pessoa se tornar dependente no futuro. O álcool compromete o desenvolvimento do sistema nervoso central, além de expor o jovem a diversas situações de risco (acidentes de trânsito e outras violências, sexo inseguro entre outras).

Mas isso não é o bastante para frear, por exemplo, a propaganda de cerveja em horário nobre da TV, claramente voltada aos jovens. Aos olhos da legislação que regula a publicidade, a cerveja não é considerada bebida alcoólica no Brasil. Só bebidas com teor alcoólico superior a treze graus Gay Lussac se enquadram. E grande parte das cervejas disponíveis no mercado não chega a 5%. As que têm mais do que isso em geral são artesanais ou importadas.

Esse “estado de exceção” da cerveja, atribuído a uma combinação de lobby da indústria e falta de vontade política, tem recebido muitas críticas de especialistas em políticas públicas de saúde. Não é para menos. A cerveja é a bebida consumida por 60% dos brasileiros que ingerem álcool.

Mais do que um grande problema individual e familiar, o uso descontrolado de álcool é uma questão de saúde pública e traz prejuízos gritantes à economia. Estima-se que o país perca 7,3% do PIB (Produto Interno Bruto) em decorrência dos problemas relacionados ao álcool, algo em torno de R$ 372 bilhões, considerando o PIB de 2015 (R$ 5,1 trilhões).

De acidentes de trânsito causados por motoristas bêbados às doenças associadas ao uso abusivo do álcool, como derrames, demência e diversos cânceres, de afastamentos por auxílio-doença ao desemprego, a conta dessa ressaca é gigantesca.

A cada operação policial na cracolândia, a sociedade se mobiliza, palpita. A cada discussão sobre a legalização da maconha ou dos seus derivados, idem. O mesmo não se vê em relação ao álcool. Talvez por fazer parte da cultura humana há milênios e por ter consumo lícito, o álcool é uma droga socialmente aceita. Mesmo destruindo tantas famílias e boa parte da mão de obra do país. Enquanto perdurar esse silêncio inquietante, ações preventivas mais abragentes terão poucas chances de sucesso.

Folha de São Paulo



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