Se eu pudesse conjugar a pouca habilidade de fotógrafo e meus parcos recursos de escrevinhador para pintar, em homenagem, o melhor retrato de Tuiú, eu o faria com muito gosto, mas reconheço que nem as fotos que fiz nem o texto que agora faço são suficientes.
Se Sanderson Negreiros guiasse-me a palavra no teclado e se Jaeci Emerenciano apertasse junto comigo o obturador de minha velha Zenit, talvez eu pudesse com a ajuda destes dois notáveis de saudosa memória, dar ao personagem desta crônica de saudades, as cores certas na composição ideal da figura inolvidável que a sociedade santacruzense gestou, viu crescer e agora vê findar os seus dias.
O certo é que Santa Cruz está mais pobre, pois perdeu toda a riqueza demasiadamente humana de Tuiú. Quanto isso representa? A nossa sã ou vã imaginação não pode imaginar, não pode calcular ou converter em cifras ou cifrões a falta que ele fará. Todos os Bancos da cidade não estão agora e para sempre órfãos de sua onipresença em suas filas? Estará presencialmente ausente das conversas dos caixas e não mais adentrará as portas giratórias para driblar vigias e seguranças no ímpeto de seus depósitos imaginários. Todos os Bancos deveriam hastear bandeiras a meio mastro em reverência póstuma ao seu maior cliente, aquele cujo rico capital, nenhuma caixa forte ou cofre poderia conter ou reter, nem multiplicar ou subtrair. Tuiú era correntista de si mesmo, era em si mesmo um milionário, porque indigentes são ou foram apenas aqueles que lhe insultaram, aqueles que lhe pilheriaram, os que não entendem nada de humanidade ou de educação.
Tuiú carregava em suas capangas e bolsas várias, seu mundo imaginário, suas angústias e sonhos: promissórias amarrotadas, talões de cheques, cartões de créditos ilimitados e os saldos estratosféricos de velhos comprovantes encontrados em suas andanças. Era um andarilho nato, e por isso mesmo, mais empurrava a sua enfeitada bicicleta do que nela montava. Tinha-lhe um ciúme danado e não deixava que ninguém a tocasse. Tuiú também não se deixava fotografar facilmente, detestava os papparazis. Uma selfie? Nem pensar. Se alguém tiver uma selfie com Tuiú, eu mesmo compro a preço de ouro de Tuiú.
No pingo do meio dia, Tuiú desafiava o clima com seu surrado paletó e fazia chame olhando por cima de seu “Rayban”. Era irmão de Buluca, outra figura icônica de nossa cidade. Segundo soube, Buluca ora se refugia na capital. Poucos entendiam as suas falas e queixas, sendo as de Buluca, quase indecifráveis e dificultadas ainda mais pelo filtro dos pelos longos de seu inconfundível bigode. Tuiú, tinha de singular, a barba, que jamais viu lâmina de barbeiro. Seu semblante me fazia lembrar de figuras como Antônio Conselheiro ou do místico Rasputin.
O meu último encontro com Tuiú se deu no restaurante de Dona Zefa. Falávamos de saudades, da saudade dos entes queridos que nos deixam, por vezes, assim, tão repentinamente. Aproximou-se e perguntou por papai e por mamãe, prometendo um dia visitá-los na Serra da Tapuia. Assenti que fosse mesmo e que seria, como todos, muito bem recebido. Foi-se embora e a visita ficou só no desejo, na imaginação, e agora, não poderá se realizar mais, porque repousa Tuiú no cofre da mãe terra, na condição onde todos somos iguais. Tuiú, o sonho etéreo fez de ti o mais rico dos homens santacruzenses e o teu saldo, nenhum dos bancos tem lastro ouro suficiente para aquilatar. És credor de nossas saudades, de nossas lembranças, pois tua riqueza é imemorial e imaterial!
MARCOS CAVALCANTI
Sabe algo sobre se houve ou haverá um sepultamento?
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