Na Bahia se autorizou legalmente a realização de revistas vexatórias, prática que poderá ser adotada por empresas com seus funcionários, deixando as relações profissionais mais delicadas e, talvez, opressoras.
A revista íntima em unidades prisionais representa verdadeira afronta ao princípio da legalidade e da dignidade da pessoa humana. Trata-se de atividade humilhante, não só para visitantes e presos, mas também para àqueles que são obrigados a desempenha-la, os Agentes Penitenciários.
A Administração Pública impõe aos servidores a realização da atividade, sob pena de responsabilização em sede de processo administrativo disciplinar. Em contrapartida, sofrem ameaças de morte por parte dos internos quando a revista é realizada de forma minuciosa.
Ora, o que fazer? Realizar a revista íntima, expondo os visitantes a absurda humilhação ou abster-se, aceitando o risco responsabilização na esfera administrativa?
A solução para o problema é simples! A aquisição de equipamentos menos invasivos, como o Scanner humano. Não há como evitar a entrada de armas de fogo, armas brancas, drogas, celulares, bebidas alcoólicas, dentre outros, por meio de procedimento oriundo da idade média.
A maior dúvida do servidor penitenciário é: Existe interesse por parte da Secretaria de Segurança Pública na retirada de todos os celulares dos estabelecimentos penais? Como ficariam as interceptações telefônicas realizadas pela Polícia Judiciária dentro dessas unidades? A manutenção desses aparelhos é cômoda para Administração Pública.
Da mesma forma indagamos: Por que tanta leniência em relação a entrada de drogas nas unidades prisionais? Quem trabalha no sistema penitenciário sabe que nenhuma cadeia funciona sem droga. O combate às substancias ilícitas em estabelecimentos penais sempre resulta em sangrentas rebeliões.
Nunca houve tanto consenso em relação à falência no sistema penitenciário brasileiro, mas, também, jamais nos deparamos com tamanha inércia!
Atualmente, a revista íntima é realizada da seguinte forma: 1. O visitante se despe completamente em local reservado; 2. Sobe numa espécie de banco; 3. Agacha por três vezes, com as mãos posicionadas atrás da cabeça. 4. No terceiro agachamento a posição é mantida para que o Agente Penitenciário, “a olho nu”, verifique a existência ou não de objetos ilícios nas partes íntimas;
A Lei Federal nº 13.271/2016, que dispõe sobre a proibição de revista íntima de funcionárias nos locais de trabalho e trata da revista íntima em ambientes prisionais, proíbe expressamente a revista íntima em mulheres, vejamos:
“Art. 1º As empresas privadas, os órgãos e entidades da administração pública, direta e indireta, ficam proibidos de adotar qualquer prática de revista íntima de suas funcionárias e de clientes do sexo feminino.
Art. 2º Pelo não cumprimento do art. 1o, ficam os infratores sujeitos a:
I - Multa de R$ 20.000,00 (vinte mil reais) ao empregador, revertidos aos órgãos de proteção dos direitos da mulher;
II - Multa em dobro do valor estipulado no inciso I, em caso de reincidência, independentemente da indenização por danos morais e materiais e sanções de ordem penal.
Art. 3º (VETADO). Art. 4o Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação. ”
Embora seja a revista um método que visa coibir o ingresso de armas, drogas ou quaisquer objetos na prisão, esta não pode ser realizada de maneira tão cruel e desumana, submetendo as pessoas a esse tipo de humilhação. Mesmo assim, apesar de todas as formas de protestos das pessoas que têm de se submeter a tal constrangimento, a prática permanece.
A manutenção deste procedimento invasivo e indigno, especialmente para visitantes do sexo feminino, acaba por afastar os internos de seus familiares, prejudicando, pois, a sua ressocialização. De outro lado, o procedimento coloca em risco a vida e a integridade física dos Agentes Penitenciários, pois vítimas de constantes ameaças de morte.
Diante das sucessivas afrontas à princípios constitucionais, o Sindicato dos Servidores Penitenciários da Bahia buscou o Poder Judiciário, tendo como objetivo a simples observância da lei.
Ocorre que, fechando os olhos para os robustos argumentos lançados à peça inaugural, o Eminente Magistrado da 8ª Vara da Fazenda Pública da Comarca de Salvador-Bahia indeferiu a tutela de urgência pleiteada, in verbis:
“O pleito de tutela de urgência deve ser negado. Não nega este juízo que o rito descrito na incoativa é vexatório e poderia ser substituído, com menos sofrimentos para o servidor e para a visitante mulher dos presídios deste Estado, por um aparato que pudesse detectar a presença de objetos escondidos no corpo daqueles. Não obstante, entre esse vexame e a segurança pública, deve ser dada prevalência a esse último, devendo ser salientado que é notória a situação de caos orçamentário em que vivemos, tanto a nível federal como estadual, não se podendo esperar, por isso mesmo, que seja lícito exigir do réu que adquira imediatamente máquinas para fazer esse papel, de modo a que essa situação mude com uma "canetada" do Poder Judiciário, e de um dia para o outro. Os agentes penitenciários sempre realizaram essa rotina, por mais vexatória que seja. Um belo dia se dão conta de que pode ser ajuizada uma ação e esperam que o Judiciário, num passe de mágica, e de um dia para o outro, mude tudo. O titular desta vara não é mágico e se com revistas (supostamente minuciosas), feitas pelos agentes penitenciários são encontradas várias vezes dezenas de celulares e drogas nas cadeias públicas e penitenciárias deste Estado, quiçá o que pode ocorrer se isso deixar de ser feito. Portanto, é lícito supor que a suspensão do serviço de revista, como pedido, imporia um periculum in mora reverso muito mais lesivo à ordem e paz pública do que a manutenção da rotina constrangedora acima reportada. Em razão do exposto, NEGO o pedido de tutela de urgência acima formulado. ”
Trata-se de decisum surreal, inaceitável e de difícil compreensão, sobretudo se interpretado à luz do princípio da dignidade da pessoa humana. O Magistrado ignora quase que uma dezena de direitos e garantias fundamentais, sob o pretexto do equilíbrio orçamentário.
O cidadão ou a entidade sindical, sobretudo aquelas que defendem direitos e garantias fundamentais de minorias (Agentes Penitenciários, mulheres, presos etc.), normalmente busca o Poder Judiciário para que o juiz diga aqui que a lei diz. Simples assim!
Não interessa a opinião do magistrado sobre a conjuntura econômica mundial, nacional nem estadual. Inaceitável, pois, a supressão do direito à vida e à integridade física e moral em nome do equilíbrio orçamentário. “As coisas possuem preço, as pessoas possuem dignidade” (Immanuel Kant).
Pois bem, interpôs-se agravo de instrumento.
Surpreendentemente, o Eminente Desembargador Relator, João Augusto Alves De Oliveira Pinto, ratificou o absurdo proferido pelo magistrado de primeiro grau, vejamos:
“Em que pese as alegações do sindicato Agravante, a decisão hostilizada, “prima facie”, não se apresenta ilegal ou abusiva, estando fundamentada pelo MM. Juiz, que, nos autos da Ação Ordinária indicada, não constatou a presença dos requisitos necessários para concessão da liminar, tendo demonstrado, inclusive, a cautela necessária, na medida em que observou que “[...] Não obstante, entre esse vexame e a segurança pública, deve ser dada prevalência a esse último, devendo ser salientado que é notória a situação de caos orçamentário em que vivemos, tanto a nível federal como estadual, não se podendo esperar, por isso mesmo, que seja lícito exigir do réu que adquira imediatamente máquinas para fazer esse papel, de modo a que essa situação mude com uma "canetada" do Poder Judiciário, e de um dia para o outro. Os agentes penitenciários sempre realizaram essa rotina, por mais vexatória que seja. Um belo dia se dão conta de que pode ser ajuizada uma ação e esperam que o Judiciário, num passe de mágica, e de um dia para o outro, mude tudo. [...]” (fls. 35/36) Assim, ainda que evidenciados os requisitos do “fumus boni iuris”, não se configura o “periculum in mora” em benefício do Agravante, mormente quando demonstrada a ampla cautela pelo douto Juiz, uma vez que a eventual concessão da tutela requerida não teria o condão de aparelhar todo o Estado de forma imediata, ou seja, traria imensas dificuldades ao Estado para cumprir o decisório. Em síntese, a questão deve ser melhor discutida, amadurecida. ”
O objetivo da entidade sindical é tão somente o cumprimento de legislação federal! Ora, precisamos gritar? QUEREMOS A APLICAÇÃO DA LEI! Qual a dificuldade?
Inaceitável que, mesmo existindo legislação contrária, o servidor penitenciário continue sendo obrigado a realizar tal procedimento. O pior, com a conivência do Poder Judiciário.
Como sabido, a lei possui presunção relativa de constitucionalidade. Diz-se relativa, pois permitido o controle difuso de constitucionalidade por qualquer julgador, o que não foi feito in casu. A Lei é inconstitucional? Houve controle difuso de constitucionalidade? Com ou sem redução de texto? Infelizmente, esse obstáculo não fora superado!
O jurisdicionado não está interessado em saber se a “canetada” do magistrado terá efeitos mágicos, ilusionistas ou sobrenaturais. Juiz de direito não é Harry Potter, não possui varinha mágica, nem especialização em Hogwarts. Juiz de direito deve fazer justiça! A aplicação da lei não é magia, bruxaria, nem nada do tipo, mas obrigação do Poder Judiciário! Magia no Direito é gambiarra jurídica, quando um magistrado atua de forma decisionista e solipsista, por exemplo. Mágica é feita por mágicos!
Outrossim, a entidade sindical não resolveu buscar o judiciário de uma hora para outra ou melhor, num “belo dia”, como afirmara o magistrado, mesmo porque a rotina de um agente penitenciário não costuma ser bela. O manejo da ação se deu porque a conduta, que sempre fora imoral e ilegítima, passara a ser, também, ILEGAL!
O pleito é simples! Onde se lê: “é proibida qualquer prática de revista íntima”, leia-se: “é proibida qualquer prática de revista íntima”. Ponto.
Inaceitável, pois, a ignorância da literalidade do texto. Não podemos interpretar para compreender, mas, sim, compreender para DEPOIS interpretar. Portanto, deixemos que a lei nos diga algo. Depois interpretamo-la!
O juiz de direito não é dono da lei e não pode dela se apoderar, dando-lhe sentido subjetivo e absurdo. A elaboração de leis cabe ao Poder Legislativo, composto por representantes democraticamente eleitos para o exercício de tal mister. Juiz de direito não possui voto!
Em tempos de convicções (a não-prova) e de fetiches punitivistas, um juiz de direito deve atuar com cautela, sob pena de incorrer no hediondo crime de “porte ilegal da fala” (Lenio Luiz Streck).
A colapso no sistema carcerário gerou verdadeira proliferação de “especialistas” no tema, quase todos integrantes da magistratura e do Ministério Público. O Poder Judiciário é parte do problema, não é nem nunca foi solução. O que falar das prisões preventivas ad aeternum? O Ministério Público fiscaliza nossas “masmorras medievais”? E a LEP? LEP...? O que é isso? Lesão por Esforço Punitivo?
Enfim, que venham as forças armadas. Agradar-nos-emos pela brilhante solução! A medida é inconstitucional? Não importa! Ainda existe Constituição?
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