terça-feira, 31 de julho de 2018

Troca de confidências e ‘like’ em foto podem ser ‘microtraições’; termo foi cunhado por especialistas para ações de infidelidade nas redes sociais

Foto: Reprodução
O impacto negativo das redes sociais só poderá ser medido com precisão a médio prazo, quando as gerações que existem dentro delas de maneira ininterrupta puderem, enfim, servir como base de estudo, mas o estrago que plataformas como Instagram e Facebook exercem sobre os relacionamentos já dá sinais.

A vida virtual tem tanto poder de estremecer um namoro ou casamento que especialistas cunharam recentemente um termo específico para falar de infidelidade neste universo online: microcheating, ou microtraições.

São situações em que o parceiro toma atitudes aparentemente inofensivas, mas que poderiam ser consideradas como adultério em pequena escala caso a outra parte viesse a ficar sabendo.

É o caso, por exemplo, do namorado que enche de likes o perfil de uma colega de trabalho de preferência nas fotos mais picantes. Ou mesmo quando um dos dois confidencia todos os problemas do relacionamento em mensagens a uma pessoa por quem há um eventual desejo, criando uma atmosfera de intimidade, acolhimento e sedução.

O terreno é escorregadio e gera polêmica. Para a psicanalista e escritora Regina Navarro Lins, o microcheating seria a alternativa que os casais encontram para se libertar da relação, ainda que não definitivamente. “Podemos dar o nome que for, mas essa atitude só reforça que as pessoas estão querendo sair de uma jaula”, afirma.

“Quando elas não têm meios práticos, arrumam meios imaginários para viver aquela fantasia. Não se pode acreditar que é possível juntar segurança, estabilidade e a vontade de ver série abraçados no sofá ao frio na barriga. Isso é incompatível”.

Lins defende que a principal reflexão levantada pelo microcheating seja no hábito de conectar sexualidade e fidelidade, quando, segundo ela, nem sempre os dois conceitos conseguiriam andar de mãos dadas. “O amor romântico sustenta essa ideia de amor exclusivo. Ele prega a fusão e que quem ama não tem tesão por mais ninguém. Daí, quando a outra parte descobre, fica com a certeza de que não é amada”.
Mas será que dá para ser só um pouquinho infiel? “Não existe meia infidelidade; ou a pessoa é confiável ou não é”, responde a psicóloga e coach Adriane Amaral.

“Infidelidade está ligada a uma decisão, o que a torna uma questão de princípios, e não um simples deslize. Quando você trai, toma a decisão de ferir a outra pessoa. E não existe grau ou escala para isso, afinal, quem foi traído sabe a dor que a situação causa”, avalia a profissional.

No caso do controverso “deep liking”, como os psicólogos estrangeiros chamam o excesso de curtidas, a psicóloga entende que é caso para alerta. “Se eu gosto de um determinado assunto sério que alguém posta, eu estou realmente curtindo o conteúdo. Agora, se uma pessoa comprometida começa a curtir publicações direcionadas à exposição do corpo, acredito que possa surgir uma segunda intenção.”

“Toda relação é formada por um triângulo composto de sexo, afeto e objetivos, e os três são importantes. Em um relacionamento maduro, quando há uma crise em alguma dessas áreas, o casal consegue segurar a relação, porque um dos pontos se sobressai, equilibrando tudo”, explica o médico e sexólogo Amaury Mendes Junior.

Em seu consultório, ele diz receber com frequência casais em que há uma “falta de construção deste triângulo”.

“Hoje em dia há um grau muito grande de exigência e baixa tolerância. Ninguém sabe mais lidar com as dificuldades, devido à facilidade que se tem de trocar de parceiro. Então, qualquer coisa faz com que um dos parceiros entre nessa onda de ‘fazer um charme’ para outra pessoa”.

Com isso, diz Mendes Junior, o casal mina a possibilidade de crescer dentro da relação —abrem-se as portas, então, para atitudes como as microtraições. O sexólogo acredita que os sinais são sempre claros. “Só não vê quem não quer. A pessoa chega tarde, vive trocando a senha do celular, esconde o telefone.”

Segundo ele, a solução deve ser subjetiva. “Fingir que não está vendo é enganar a si mesmo. Então, a pessoa tem que decidir o quanto isso está fazendo mal. A atitude vai depender do grau de sofrimento de cada um. E, se está incomodando, é importante lembrar que é preciso gostar mais de si do que de outra pessoa”.

Com a proposta de tratar o adultério no geral, seja ele micro ou macro, de uma maneira mais compassiva e eficaz, a terapeuta e escritora americana Esther Perel publicou recentemente o livro “Casos e Casos ““ Repensando a infidelidade” (editora Objetiva, R$ 44,90).

“Não é plausível que todos os milhões de amantes traidores sejam patológicos”, pondera na obra, reforçando, no entanto, que “entender a traição não significa justificá-la”.

Entre outras questões, em seu livro Perel examina pontos de vista como o de que uma traição seria necessariamente um indicativo de que um casal “falhou”, os papéis de vítima e culpado atribuídos ao fiel e ao traído e a possibilidade de se extrair algo positivo de uma crise de infidelidade.

Para escritora, a sobrevida de um casal após um episódio desta natureza depende de diversas variantes, mas, especialmente, da decisão conjunta e da dedicação de ambos a seguir em frente.

Folha de São Paulo






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