Quando um dos sócios-diretores da consultoria multinacional KPMG decidiu assumir publicamente sua identidade feminina, todos os funcionários receberam um comunicado da empresa.
Foram informados que havia uma colega transexual na companhia e que ela seria tratada com respeito.
Meses depois, em outubro de 2017, durante evento para 400 pessoas, Danielle Torres, 34, subiu ao palco para se apresentar aos colegas, com os quais, na verdade, trabalhava havia mais de dez anos.
Ela diz que só foi possível afirmar sua nova identidade de gênero por ter recebido apoio e aconselhamento da empresa por quase um ano.
“Tive insegurança. Já tinha uma carreira consolidada e via o mercado como conservador”, diz.
Segundo Danielle, a recepção de colegas e clientes foi boa. Só ouviu perguntas simples, como o pronome que ela queria que fosse usado para falar com ela. “Logo pude me concentrar em minha carreira”, Histórias como essa começam a surgir conforme empresas buscam se tornar mais abertas ao público transgênero no país.
Em janeiro deste ano, o Banco do Brasil passou a permitir o uso de nome social (aquele que a pessoa adota no dia a dia, diferente do oficial) para funcionários transgêneros em crachás, cartões e e-mail.
A medida deu coragem a Marcela Bosa, 32, que era gerente-geral de unidade do banco em Pesqueira (PE), para fazer a transição para a identidade feminina, em maio de 2017.
“O mais comum por quem passa por esse processo é ter medo de perder o emprego, de rejeição, do olhar dos clientes. Eu tinha muito medo.”
Agora ela é responsável por agência no Brás, em São Paulo. Diz que foi bem recebida por subordinados e clientes. “Entenderam que competência não tem gênero, cor ou credo.”
Maitê Schneider, uma das responsáveis pelo projeto Transempregos, que desde 2013 reúne currículos de transexuais e travestis, diz que as contratações estão crescendo.
Com isso, começa a ficar para trás a ideia de que esse grupo, principalmente as mulheres, tem como opção apenas a prostituição, a estética ou o telemarketing, diz. Um recado importante nesta quinta-feira (28), quando se celebra o Dia do Orgulho LGBT.
Segundo Schneider, a Transempregos tem cerca de 15 empresas clientes que buscam acompanhamento periódico na inclusão de trans.
Também mantém agenda com eventos quase diários com empresas que buscam informações.
“Não importa se é o líder da empresa ou um funcionário, as dúvidas são as mesmas. Perguntam como a trans vai ao banheiro.”
Apesar de se dizer otimista, Schneider aponta desafios. Porém, ela diz que algumas empresas ainda procuram trans que, pela aparência, não parecem ser transgêneros.
O preconceito faz com que pessoas transgêneras ainda vejam limitações para suas possibilidades profissionais.
Alana Barbosa, 23, auditora de vendas na Atento, trabalha há quatro anos em centrais de atendimento telefônico.
“É o único ramo de emprego que consigo serviço. Quando você é transgênero, pode trabalhar com atendimento, no ramo da beleza ou, como a maioria da população, na rua [com prostituição].”
Alana diz ter entregado currículo em lojas, mas ter sentido hostilidade.
Ela afirma também ter tido problemas em empregos anteriores. Esteve em companhias que não a deixavam usar seu nome social e ter enfrentado supervisores que insistiam em chamá-la por seu nome civil.
A Atento permite o uso de nome social desde 2014. Dos 78 mil funcionários da empresa, 1.300 optaram por ele.
Segundo Elaine Terceiro, Superintendente de responsabilidade social da Atento, o principal desafio da companhia é manter a cultura inclusiva, mesmo com uma rotatividade alta de profissionais no setor.
“Precisamos manter a constância na comunicação, criar atividades lúdicas para tratar da importância da diversidade, criar vídeos protagonizados pelos nossos funcionários”, diz.
Apesar da maior abertura das empresas, a qualificação profissional de transgêneros ainda é um desafio para que mais pessoas sejam incluídas, avalia Iran Giusti, responsável pela Casa 1, que acolhe membros de grupos LGBT em situação de vulnerabilidade, a maior parte expulsa de suas casas por famílias que não aceitam sua orientação sexual.
A ONG capacitou cerca de 600 pessoas no ano passado em áreas variadas, como idiomas, costura, cozinha e maquiagem. A iniciativa foi viabilizada após parceria com a marca Doritos, que lançou versão promocional do salgadinho em versão colorida para chamar atenção à causa, revertendo ganhos com as vendas do produto para a organização.
“Explicamos que trabalhamos com pessoas em situação de vulnerabilidade. Não vou ter profissionais prontos. Para uma empresa receber esses funcionários ela precisa estar preparada, precisa entender que será um processo formativo.”
A Pepsi contratou dois profissionais que passaram pelos cursos da Casa 1.
Folha de São Paulo
Nenhum comentário:
Postar um comentário