“Quero ser barriga de aluguel”. Com esse nome, há pouco mais de um ano um grupo público do Facebook reúne cerca de 2.500 pessoas —a maioria mulheres em busca de interessados em “alugar um útero”.
Em apenas um dia, mais de 40 postagens chegam a ser publicadas. Nas mensagens, muitas jovens explicam o que as levou até ali: o desejo de reformar o apartamento que será deixado de herança para os filhos, a necessidade de financiar estudos, a busca desesperada por um emprego.
Apesar da oferta, o pagamento pela gestação de substituição —quando um embrião é gerado no útero de uma outra mulher— é proibido no Brasil. Ainda assim, segundo a administração do grupo, nunca houve tentativa de retirá-lo do ar, nem por autoridades policiais nem por denúncia de usuário.
Contatada por meio da página, Amanda (nome fictício), 23, disse por telefone à reportagem que “alugou” sua barriga e engravidou após inseminação ilegal em uma clínica. Ela relata ter recebido R$ 40 mil do candidato a pai, além do custeio das despesas médicas e da clínica de fertilização, mais um auxílio mensal para ajudar a pagar aluguel e seu curso técnico de moda.
Com o dinheiro, Amanda quer estudar no exterior. Segundo ela, a ideia surgiu a partir da necessidade de uma amiga que não podia engravidar. Ela não pagaria nada, mas a receberia em casa. A amiga depois desistiu, mas o interesse de Amanda continuou. Até achar outro casal, ela postou anúncios em grupos na internet. Hoje, diz sentir-se um pouco arrependida pelo valor cobrado.
“Pelo tanto que estou fazendo, as mudanças pelas quais estou passando, acho que vale muito mais do que recebi.” Apesar de relatos como esse, O CFM (Conselho Federal de Medicina) só libera a “barriga solidária”, quando a mulher cede, sem recompensa financeira, o útero para um casal.
“É uma questão ética e legal. A Constituição veda a venda de tecidos, órgãos, partes do corpo humano. Uma pessoa não pode vender uma parte dela para obter lucro financeiro”, diz Adelino Amaral, membro da câmara técnica de ginecologia e obstetrícia do CFM.
Ele foi um dos membros da comissão que elaborou a resolução mais recente sobre o tema, de 2017. Ela prevê que parentes de até quarto grau —sejam tias ou sobrinhas— podem ceder o útero a familiares sem passar pelo crivo dos conselhos regionais. Caso um médico descumpra a resolução, ele pode ser punido com sanções que vão de advertência a perda do direito de exercer a profissão.
Para o médico Francisco de Assis, especialista em reprodução assistida, falta informação a quem recorre à barriga clandestina.“Gravidez não é doença, mas provoca mudanças no corpo de uma mulher que podem ter consequências graves, como pressão alta e a diabetes gestacional”, afirma.
O problema é ainda mais grave, afirma, porque quem opta pela prática clandestina muitas vezes faz inseminação caseira sem acompanhamento médico.“A pessoa recebe o sêmen de um desconhecido sem passar por exames. O risco de contrair uma DST é enorme.”
Procurada, a Polícia Federal disse que não é competência da instituição monitorar páginas desta natureza —eventuais crimes contra pessoa física seriam atribuição estadual. A Polícia Civil do Rio não respondeu as questões enviadas pela reportagem.
BRASILEIRA FOI ATÉ A TAILÂNDIA POR UMA BARRIGA DE ALUGUEL
“Eu não teria filho se não tivesse a barriga de aluguel”, conta Rosana Minari, 46.
Depois de passar por tratamentos de fertilização por cinco anos seguidos, ela desistiu de engravidar e entrou na lista de espera para uma adoção.
Mudou de ideia após ver na TV a história de um casal gay que foi até a Tailândia para uma gestação de substituição.
Inicialmente, ela tentou uma barriga solidária: pediu à cunhada que a ajudasse. “Ela disse que o marido jamais aceitaria que estivesse grávida do irmão, por isso resolvemos tentar no exterior, onde o contrato é permitido.”
O destino escolhido foi a Ucrânia. Dez meses após a visita ao país, nasceu Maria Eduarda, hoje com seis meses. O casal segue na lista de adoção. No Brasil, outras família que buscam barriga de aluguel recorrem ao exterior para conseguir o procedimento seguro, com garantias legais e acompanhamento médico.
A empresa Tammuz, por exemplo, especializada no serviço, já atendeu 36 brasileiros desde que abriu as portas no país, em 2014.Os preços começam em US$ 50 mil (mais de R$ 160 mil) no destino mais barato, a Ucrânia. O país só aceita gestações feitas para casais heterossexuais.
Nos Estados Unidos, os preços chegam a US$ 130 mil, mais de R$ 420 mil. Os valores não incluem as duas viagens que o casal precisa fazer ao país de destino. Por causa disso, Roy Rosenblatt, ex-cônsul de assuntos econômicos de Israel no Brasil e CEO da Tammuz no país, defende que o processo seja legalizado.
“O importante é você ter uma regulamentação sólida que assegure muito bem os direitos para ambos os lados. Se a pessoa carrega um filho para você, ela tem que receber compensação. Mas também precisa ter plena ciência do que isso significa.”
Na Tammuz, o processo de seleção de grávidas exige que a mulher já tenha pelo menos um filho, para entender como será a gravidez, e que passe por uma bateria de testes médicos e psicológicos.
Roy é casado com Ronen. São pais de Saar e Rotem, na Índia, país que hoje veta a prática para estrangeiro. Ele conta que, em Israel, a prática é encarada com muita naturalidade.
Dá como exemplo a sala de aula dos filhos: na classe de 26 alunos, seis foram gerados em barrigas de aluguel contratadas por casais gays. “O conceito de barriga de aluguel no Brasil está atrasado. Até o nome tem conotação negativa: ‘barriga de aluguel’. Em inglês é ‘surrogate mother’ (mãe substituta).”
Folha de São Paulo
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