Depois de 17 anos sem uma representação feminina na Assembleia Legislativa do Rio Grande do Norte, o PT voltou a eleger uma deputada. Isolda Dantas é a primeira petista mulher na Casa desde que Fátima Bezerra, atual governadora do Estado, deixou o legislativo estadual em 2002 para nacionalizar sua trajetória.
A relação de gênero na ALRN é muito desigual. Dos 24 parlamentares da atual legislatura, apenas três são mulheres. Além de Isolda Dantas também foram eleitas Cristiane Dantas (Solidariedade) e Eudiane Macêdo (PTC).
Cientista social por formação e feminista por convicção, Isolda tem visto a confirmação no exercício do mandato que o desequilíbrio dos números é levado para o dia-a-dia.
– A política não é feita nem para as mulheres, nem com as mulheres”, diz.
Numa conversa recente com o presidente da Casa Ezequiel Ferreira de Souza, ela cobrou do parlamentar a falta de um banheiro feminino para uso exclusivo das deputadas na Casa. Parece exagero, mas não é: o único banheiro de acesso dos deputados e deputadas próximo ao plenário é masculino. Até o ar-condicionado, explica, é preparado pensando nos homens que vestem paletó:
– Se as mulheres não quiserem morrer de frio precisam se vestir igual aos homens”, se queixa.
A petista tem quebrado pré-conceitos nas primeiras semanas de mandato. Segundo ela, os colegas de plenário imaginavam que encontrariam uma deputada radical e intransigente no exercício do mandato. Se surpreenderam com uma parlamentar que dialoga até com os deputados de oposição, haja vista o elogio que recebeu do coronel Azevedo (PSL) pelo projeto que determina ao Governo comprar da agricultura familiar pelo menos 30% dos alimentos oferecidos pelo Estado.
Em menos de dois meses, já é possível enxergar uma cara no mandato de Isolda. A parlamentar tem se pautado pela defesa das ações do governo Fátima, a proposição de projetos na área de cidadania e em defesa das mulheres, além de incentivar o debate de temas centrais com efeitos diretos na vida da população brasileira, em especial as mulheres.
Na segunda-feira (11), Isolda coordenou uma audiência pública sobre o impacto da Reforma da Previdência para as mulheres. O evento foi realizado em parceria com outras parlamentares do PT no Estado, como a deputada federal Natália Bonavides, a vereadora de Natal Divaneide Basílio, a vereadora de Parnamirim Ana Michele, entre outras.
Os primeiros 45 dias do ano legislativo também foram marcados por uma polêmica. Às vésperas do carnaval, a Assembleia Legislativa aprovou um projeto de lei, sem voto contrário dos parlamentares, que regulamenta o pagamento de 13º salário e do terço de férias dos 24 deputados estaduais e, na mesma proposta, ainda autorizou o pagamento retroativo do mesmo benefício para os parlamentares da legislatura passada, que havia sido suspenso pelo Supremo Tribunal Federal.
A condução da votação provocou um desgaste interno na Casa. A petista defende o veto da governadora Fátima Bezerra para que o projeto volte a ser debatido entre os parlamentares.
Nesta entrevista à agência Saiba Mais, Isolda Dantas fala do início de mandato e das pautas que marcaram o início do ano legislativo.
Agência Saiba Mais: Qual é o grande problema da reforma da Previdência enviada ao Congresso Nacional pelo governo Bolsonaro ?
Isolda Dantas: O que está em jogo é o Estado, o orçamento, para onde vai o dinheiro do Estado. É muito fácil dizer que existe déficit. A CPI (do Senado) já provou que não há déficit nenhum, o que acontece é um desmantelamento de uma política pública de assistência social, algo muito robusto no Brasil. Os países da Europa nunca abriram mão de uma boa assistência social para os mais pobres e os mais idosos porque os países que querem ser grandes trabalham com três pilares: previdência, saúde e assistência. Essa proposta é o desmantelamento disso. O modelo criado no Brasil é o de repartição, de solidariedade, para quem precisa mais. Esse modelo de reforma desmantela isso porque migra do modelo de solidariedade para o individual. Com o modelo de capitalização, o trabalhador vai criar sua própria previdência. Ora, como alguém vai criar sua própria previdência se recebe um salário mínimo ? Como alguém tem condição de guardar dinheiro para o futuro se não tem nem para o presente ? É gravíssimo.
É como se Estado passasse a responsabilidade da previdência para o cidadão?
Você tira do Estado essa responsabilidade com os indivíduos e deixa que os indivíduos que se cuidem. Há 40 anos, o Chile fez essa separação e hoje tem uma das maiores taxas de suicídios de idosos porque eles estão abandonados, não tem sequer condição de vida quando chega na idade de idoso. Isso tem custo porque o Estado deve cuidar de quem precisa. Quer um exemplo ? O Beneficio de Prestação Continuada cai de R$ 1 mil para R$ 400. É escandaloso. E para os rurais é muito mais grave. Aí vem uma pessoa e fala: mas você está muito bem quando chega aos 60 anos. Está muito bem dependendo da vida que você leva. Para os rurais e as rurais, olhas as condições de vida.
Porquê o impacto na vida das mulheres é ainda maior?
A mulher com 62 anos no meio rural trabalha muito. Não é tripla jornada não, é jornada intensa. Está comprovado com pesquisa que as mulheres trabalham muito mais do que os homens. Aí numa reforma da previdência você aumenta o tempo, a idade, e se aproxima ainda mais para os homens ? Como a mulher vai contribuir durante 40 anos se somos nós que na primeira dificuldade saímos no mercado de trabalho ? A gente oscila o tempo todo no mercado de trabalho. Se a gente engravida, saímos do mercado de trabalho. Se tem alguém doente em casa a gente sai do mercado de trabalho para cuidar. Nunca vamos alcançar os 40 anos de contribuição. Do jeito que a sociedade funciona não permite que estejamos ininterruptamente no mercado de trabalho contribuindo, além do que ocupamos os postos de trabalho mais precarizados.
Mas sou muito otimista. Acho que a reforma não passa, a exemplo do que aconteceu com a reforma de Michel Temer, que é menos perversa do que essa. Se não retirarem os rurais e esse benefício de prestação continuada, não passa. E isso também não resolve o problema.
A campanha do governo afirma que essa reforma da Previdência vai acaba com privilégios
Corta privilégio de quem ? De 0,00001%, que são os políticos !? É falso isso. O problema da previdência não é a regalia. O problema maior está nas grandes empresas que não pagam a previdência, esse é o grande rombo, e o fato de que o país não cresce. E se o país não cresce tem menos gente contribuindo para a Previdência. Se o país cresce e tem mais emprego, mais gente contribui. Essa ideia de tratar todo mundo igual é a ideia mais neoliberal do mundo. Não se pode tratar desiguais de forma igual porque senão você vai aprofundar a desigualdade.
O governo diz que quer conseguir R$ 1 trilhão em 10 anos, mas eles abriram mão de R$ 1 trilhão para as petroleiras em relação ao Pré-sal. E agora querem tirar R$ 1 trilhão da costa dos trabalhadores? Isso é escandaloso. Nós, como feministas, não queremos agregar um direito aqui e outro ali, mas desmantelar esse modelo, desconstruir tudo para construir um mundo igual. Claro que é importante agregar um direito ou lutar para não perder, mas não é só isso que a gente quer. Temos que desmantelar esse modelo capitalista patriarcal.
Você acredita que a Reforma da Previdência será derrubada só pela via institucional?
Quem segurou a reforma da previdência de Temer foram as ruas. E se mantiver essa perspectiva de agenda de mobilização a reforma não passa. Sou parlamentar, mas sei que não existe força no Parlamento se não houver vozes nas ruas ou nos roçados. Aqui a gente só representa, usa as estruturas para fortalecer. Foi isso que derrotou as reformas de Temer. Haverá mobilização. Bolsonaro vai usar o que usou na campanha, as mídias… mas é diferente receber no whatsaap uma notícia que provoca indignação e você compartilha aquilo para combater, como aconteceu na campanha com a mamadeira não do quê. Outra coisa é você receber uma notícia de uma proposta que diz que você vai ter que trabalhar mais e ganhar menos. Esse modelo de mídia funciona a partir da indignação. Haverá mobilização das ruas, principalmente por parte dos sindicatos, cuja medida provisória recente altera o sistema de arrecadação dessas entidades.
Você vem de uma experiência no parlamento como vereadora em Mossoró. O que muda na Assembleia Legislativa?
A experiência de vereadora ajuda bastante, as relações com outros parlamentares. A ideia que as pessoas tinham de mim aqui era de uma pessoa inacessível, do ponto de vista sectário, radical. Era impressionante como as pessoas tinham essa ideia. Isso não é real, temos uma capacidade de convivência enorme. O parlamento me ensinou isso. Sempre fui militante de movimento estudantil, de rua, de ocupar terra, de fazer ações mais radicalizadas. Mas participar do governo Lula me ajudou a refletir sobre isso. Não que eu achava que era errado, mas era outro momento de militância política. Eu trabalhava com mulheres rurais no ministério de Desenvolvimento Agrário e aquela experiência me fez perceber que eu poderia contribuir de outra forma, porque eu estava em outro espaço. A Câmara me ensinou muito em Mossoró, sinto saudade. O parlamento necessita que tenho capacidade me relacionar e tenho capacidade de saber que pauta devo colocar para causar impacto, para beneficiar… como parlamentar acho que não é a quantidade de projetos, mas a qualidade. Um projeto de lei só tem sentido se responder uma demanda social e tiver mobilização da sociedade. Por isso, o primeiro projeto que apresentamos foi de uma real necessidade que prova que é possível ser executado. Há um setor que produz (compras públicas), tem um governo com interesse de comprar e prova que tem uma demanda real que vai melhorar a vida das pessoas. Esse tripé é ideal. Se o governo tem pouca grana, que a pouca grana vá para quem mais precisa.
Você se reafirma como feminista. Como levar essa pauta para dentro do parlamento?
Os outros projetos que apresentamos são relacionados às mulheres, ao 8 de março, porque é inerente a tudo o que a gente faz. A gente parte do feminismo, porque acreditamos que o mundo precisa ser feminista. E o feminismo não é o contrário do machismo. Não queremos inverter a ordem. Não queremos ter direito de bater nem de matar os homens. É uma teoria e uma prática de uma sociedade igual.
Apresentamos, por exemplo, o projeto “Maria da Penha nas escolas”. As pessoas precisam saber que violência contra mulher é crime e que tem consequências, penalidades e tem lei que tipifica esse crime. Não há lugar melhor para debater isso do que as escolas. Não vamos interferir no currículo da escola, até porque esse não é nosso papel. Mas as escolas podem trabalhar em seminários, dedicando uma semana. Começar a discutir a violência contra a mulher nas escolas é um ponto importante nesse processo.
Outra coisa é um dossiê das mulheres no Estado, uma sistematização dos números envolvendo as mulheres, não apenas na área de violência, mas na área de emprego, salário. Esse projeto obriga o Estado a lançar um dossiê a cada dois anos sobre mulheres. Você não faz politica pública porque acha bonito, mas para reagir sobre algum problema. E se você tem números isso ajuda.
E o terceiro projeto é reafirmar o dia 15 de junho como o Dia Estadual do Combate ao Feminicídio. A data remete à chacina de Itajá, onde cinco mulheres foram assassinadas.
A última parlamentar do PT na Assembleia Legislativa foi a atual governadora Fátima Bezerra. Você assume a cadeira 17 anos depois. É uma responsabilidade a mais?
Acho que a gente assume o parlamento num momento muito importante. Fazer política é muito difícil, e para as mulheres a dificuldade é em dobro. E isso não é mimimi. Significa você enfrentar um mundo que não lhe permite estar nele. A política não é pensada a partir das mulheres nem com as mulheres. É pensada exclusivamente a partir dos homens.
Na Assembleia, por exemplo, só tem um banheiro masculino. Eu falei isso para o presidente Ezequiel Ferreira de Souza. Aqui na Assembleia tudo é pensado para os homens. Até o ar-condicionado. É tão gelado porque os homens vestem camisa e paletó. Eu disse a ele (Ezequiel): “ou as mulheres se vestem como vocês ou vamos morrer de frio”. As pessoas lhe avaliam
Aqui a gente é avaliada pela nossa voz, pela nossa roupa… se eu mudo meu cabelo as pessoas têm uma opinião para dar sobre o meu cabelo. Isso é tão sutil… além de acharem que tem sempre um homem atrás de mim me tutelando. Faço política coletiva, tenho opinião, eu verbalizo o que eu penso.
Então é muito importante ter um mandato combativo. Saber que há 17 anos teve a Fátima aqui é de muita responsabilidade. O momento político nos impõe muita responsabilidade. Exige combatividade, posições firmes.
Qual sua avaliação sobre as críticas e os primeiros passos do governo Fátima?
Acho injusto avaliar um governo antes de 100 dias. Falei para Fátima que no governo dela estavam contando até com os dias do período de transição. Se avaliou a primeira semana, o primeiro mês. Temos que ver os passos que estão sendo dados. Primeiro, são muito firmes. Os deputados cobram medidas enérgicas. Que medidas são essas ? Aumentar a alíquota da previdência ? Vender a CAERN ? E o que Fátima fez, são tímidas ? Tem que ser tímidas mesmo, as medidas precisam ser cautelosas. A crise do Estado não pode recair apenas sobre um setor. A antecipação dos royalties, se o estado estivesse equilibrado, seria o pior dos mundos, mas na crise em que estamos é a única saída. O acordo com os servidores, com diálogo permanente, de antecipação da folha dentro das possibilidades, é importante…. há uma melhoria visível nos hospitais, tanto no interior como na capital. Você não encontra mais pacientes nos corredores dos hospitais Tarcísio Maia nem no Walfredo Gurgel. Não dá pra avaliar o governo, dá pra avaliar os passos rumo a uma possível avaliação. Até agora foram passos muito seguros.
Agora no 8 de março, por exemplo, a questão da titulação, que é uma luta antiga das mulheres rurais, somada à abertura das delegacias e à criação do grupo de combate ao feminicídio, foram iniciativas muito importantes.
Acho que o governo acertou demais. Os passos que estão sendo dados apontam que teremos uma excelente avaliação com 100 dias
A ALRN saiu arranhada do episódio em que aprovou a regulamentação do 13º salário e o terço de férias para os deputados, incluindo o retroativo para parlamentares da legislatura passada. Nenhum parlamentar votou contra, houve apenas uma abstenção. O que houve?
Nesse debate temos que ter o cuidado de não criminalizar a política. Precisamos separar as coisas. Uma outra coisa é: a mesa diretora deve uma explicação ao conjunto de deputados. Muitos deputados não tiveram a oportunidade de se manifestar sobre o projeto porque a pauta não estava explícita. Foi um dia muito confuso na sessão, onde houve votações do decreto de calamidade e outras pautas. Houve até projeto derrotado, foi um dia muito confuso. Diferente da câmara municipal de Mossoró, onde para votar o PL você tem que se manifestar individualmente, na Assembleia Legislativa não. Vários projetos foram votados conjuntamente, o que não permitiu que vários deputados contrários ao projetos pudessem se manifestar. Houve debate sobre todos os projetos, menos sobre esse. Inclusive muitos não sabiam que esse projeto estava sendo votado. Essa votação não se deu com a real clareza que deveria.
Você é contra o projeto?
Especialmente em relação aos retroativos somos radicalmente contra. Em relação às outras coisas temos que avaliar, até pela situação em que está o Estado. Isso gerou um desgaste interno na Casa. Se a governadora tiver a oportunidade de vetar tem que vetar, até para que de fato seja feito um debate real na Casa. É um tema complexo e não podemos cair na vala comum da criminalização. Se houvesse debate, como todos os projetos tem sido, iriamos nos manifestar. Era importante a manifestação individualmente. Da forma como se deu, a coisa foi muito nebulosa.
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