A recente desvalorização do real é uma “reação retardada” do mercado ao reconhecimento de que a recuperação brasileira não é tão sólida quanto aparentava e à percepção de que o impacto de conflitos comerciais entre EUA, China e União Europeia poderão ser maiores do que o esperado, avalia a economista e colunista do Estado, Monica de Bolle.
No dia 1º de julho, ela se tornará a primeira brasileira a assumir a chefia dos Programas de América Latina e de Mercados Emergentes da Escola de Estudos Internacionais Avançados (SAIS, na sigla em inglês) da Universidade Johns Hopkins, uma das melhores dos EUA.
Em sua avaliação, a situação no Brasil é agravada pela expectativa de alta da taxa de juros americana e pela grande incerteza em torno do cenário eleitoral brasileiro, que impede qualquer projeção sobre o que acontecerá em outubro, afirmou. O cenário indica que a atual turbulência deve permanecer pelos próximos meses. “A tendência é que os problemas fiscais continuem até que alguém os resolva e que os problemas externos também continuem até que a administração Donald Trump mude de ideia. E, por enquanto não vejo sua administração mudar de ideia”, disse De Bolle, que continuará no Peterson Institute for International Economics.
Apesar de cada país da região ter problemas específicos, a economista afirmou que um traço comum explica as baixas taxas de crescimento registradas desde a queda do preço das commodities: “Salvo talvez o Chile, a América Latina é uma região de reformas truncadas. A região passou o último meio século tentando fazer reformas, sem conseguir concluí-las.”
A crise atual na Argentina é motivada em parte pela incerteza em relação ao futuro de reformas, entre as quais a da Previdência, avaliou. “Os argentinos estão começando a ficar cansados do gradualismo. Eles querem ver resultados rápidos e os resultados não estão vindo ou estão vindo de forma lenta”, observou. Segundo ela, o presidente Mauricio Macri avançou muito na agenda de reformas, mas é grande a lista das que não foram implementadas.
No próximo ano, ele enfrentará uma eleição “complicada”, na qual será pressionado por resultados. Apesar da turbulência atual, De Bolle não acredita que o país vizinho enfrentará uma crise semelhante à de 2001, quando declarou uma das maiores moratórias da história. A principal razão de sua avaliação é o fato de que o grau de endividamento público do país é muito menor hoje do que há quase duas décadas.
“O problema que está no horizonte é para que lado a Argentina vai em 2019: vai para o lado da continuidade das reformas, que são difíceis, são lentas e não trazem resultados imediatos –o que seria a reeleição do Macri- ou vai truncar tudo e vai para outro caminho?”, perguntou.
De Bolle discorda da avaliação de que o Brasil e outros exportadores de commodities da região poderão se beneficiar de uma eventual guerra comercial ampla entre os EUA, China e União Europeia. Apesar de alguns setores serem favorecidos, como os exportadores de soja, o impacto líquido seria negativo. “É difícil ver ganhos para a região.”
A União Europeia não deverá aceitar quotas para importação de aço e alumínio propostaspelos EUA e há uma grande chance de retaliação, com imposição de tarifas sobre produtos americanos. A China também não cederá à pressão dosEUA para abandonar o Made in China 2025, um ambicioso plano de desenvolvimento tecnológico que está no centro da estratégia do país para os próximos dez anos. Isso significa que a tensão em torno do comércio internacional e o risco de uma guerra comercial aberta continuarão a assombrar o mundo.
“Nós teremos os três eixos mais importantes da economia mundial, que são os três parceiros mais importantes da América Latina, brigando entre si.”
ESTADÃO CONTEÚDO
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